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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A evolução da Neurociência - Segundo Miguel Nicolelis

Integração entre cérebro e máquinas vai influenciar evolução


Alexandre Gonçalves,
O Estado de S. Paulo,
via Blog viomundo

Miguel Nicolelis é um dos pesquisadores brasileiros de maior prestígio. Pioneiro nos estudos sobre interface cérebro-máquina, suas descobertas aparecem na lista das dez tecnologias que devem mudar o mundo, divulgada em 2001 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Em 2009, tornou-se o primeiro brasileiro a merecer uma capa da Science. Na quarta-feira, foi nomeado membro da Pontifícia Academia de Ciências, no Vaticano. Ao Estado, Nicolelis falou sobre o impacto da neurociência no futuro da humanidade. Criticou de forma contundente a gestão científica no País, especialmente em São Paulo. Também questionou os critérios – marcadamente políticos – que teriam norteado a escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.

Para onde a neurociência deve nos levar nos próximos anos?

No curto prazo, penso que as principais aplicações serão na medicina com novos métodos de reabilitação neurológica, para tratar condições como paralisia. No médio, chegarão as aplicações computacionais. Nossa relação com as máquinas será completamente diferente: não usaremos mais teclados, monitores, mouse… o computador convencional deixará de existir. Vamos submergir em sistemas virtuais e nos comunicaremos diretamente com eles.

No longo prazo, o corpo deixará de ser o fator limitante da nossa ação no mundo. Nossa mente poderá atuar com máquinas que estão à distância e operar dispositivos de proporções nanométricas ou gigantescas: de uma nave espacial a uma ferramenta que penetra no espaço entre duas células para corrigir um defeito. E, no longuíssimo prazo, a evolução humana vai se acelerar. Nosso cérebro roubará um pouco o controle que os genes têm hoje. Daqui a três meses, publicarei um livro em que comento estes temas.

O que você chama de curto, médio, longo e longuíssimo prazo?

Curto prazo são os próximos anos. Médio prazo, nas próximas duas décadas. Longo prazo, no próximo século. Longuíssimo prazo, alguns milhares de anos.

Como andam suas linhas de pesquisa na medicina?

Estamos avançando rapidamente no exoesqueleto (um dispositivo que dá sustentação ao corpo de uma pessoa paralisada e é capaz de mover-se obedecendo ao controle da mente). Está sendo desenvolvido na Alemanha. Para o treinamento dos pacientes, construímos salas virtuais onde pessoas paralisadas terão sua atividade cerebral registrada de forma não-invasiva por magneto-encefalógrafos. Vamos ver se elas aprendem a controlar com o pensamento os movimentos de um corpo virtual – um avatar que simula o exoesqueleto. Com uma pessoa tetraplégica será mais fácil, pois é justificável o uso de métodos invasivos como implantar os eletrodos dois milímetros e meio dentro do cérebro. As descobertas vitais já foram feitas. Nosso drama agora é engenharia e conseguir recursos para pagar um projeto que é o equivalente, na neurociência, a uma viagem à Lua.

Outra linha de pesquisa importante em medicina é Parkinson. No ano passado, publicamos um trabalho na Science. Estimulamos com eletricidade a medula espinhal de ratos com Parkinson e conseguimos reverter o congelamento motor característico da doença. Há um milhão de fibras na medula espinhal que sobem para o cérebro. Mandamos uma descarga de alta frequência que chega aos centros motores profundos do cérebro e faz com que eles saiam da sincronia absoluta característica da doença, pois estão todos disparando impulsos nervosos ao mesmo tempo, de um modo semelhante ao que ocorre em uma crise epiléptica. O sinal elétrico tem um efeito caótico que quebra a crise.

Também temos resultados preliminares em macacos obtidos aqui em Natal. Infelizmente, o Hospital Sírio-Libanês não quer continuar a parceria com nosso instituto. Por isso, procuramos outro hospital de grande porte, público ou privado, onde possamos realizar os testes clínicos, talvez já no próximo ano. Gostaria muito de marcar que a tradução dessa pesquisa para a prática clínica aconteceu aqui no Brasil, pois acredito que a Medicina brasileira é a melhor do mundo. Estou propondo uma nova teoria que vai provavelmente acabar com minha carreira (risos). Acredito que não há distinção entre doenças neurológicas e psiquiátricas: todas elas são doenças temporais, relacionadas ao tempo dos neurônios, ou seja, variantes epilépticas. A única doença do cérebro que existe realmente seria uma epilepsia. Já publicamos três trabalhos este ano com modelos de doenças ditas psiquiátricas e, em todas, encontramos uma assinatura temporal que permite classificá-las como distúrbios do tempo, epilépticos. A ideia surgiu quando vi os registros eletrofisiológicos de ratos com Parkinson e eles lembraram muito os registros de uma crise epiléptica central que conheci quando era estudante.

No médio prazo, ainda precisaremos dos nossos sentidos para dialogar com sistemas computacionais?

Em breve, vamos publicar um trabalho descrevendo o envio do sinal de uma máquina diretamente ao tecido neural de um animal, sem mediação dos sentidos: na prática, criamos um sexto sentido. Vai ser uma novidade explosiva, mas não posso dar mais detalhes, pois o artigo ainda não foi publicado. A internet como conhecemos vai desaparecer. Teremos uma verdadeira rede cerebral. A comunicação não será mediada pela linguagem, que deixará de ser o principal canal de comunicação. Para entender isso, basta pensar que toda linguagem é um comportamento motor – como mexer o braço. Esse comportamento motor também poderá ser decodificado e transmitido. Grandes empresas – como Google, Intel, Microsoft – já tem suas divisões de interface cérebro-máquina.

Quais as implicações antropológicas e sociológicas no longo prazo?

Talvez o primeiro impacto será descobrir que somos todos muito parecidos: as pretensas diferenças entre grupos de seres humanos vão se reduzir pois todos perceberão que somos iguais. Costumo dizer que será a verdadeira libertação da mente do corpo, porque será ela quem determinará nosso alcance e potencial de ação na natureza. O corpo permanecerá para manter a mente viva, mas não precisará atuar fisicamente. Nossa mente cria as ferramentas e as absorve como extensão do nosso corpo. Agora, a mente vai controlar diretamente as ferramentas. O que definimos como ser mudará drasticamente no próximo século.

De que modo a evolução poderá ser influenciada pelo cérebro?

O processo de seleção natural vai agir de uma forma muito mais rápida. Em um mundo onde as pessoas terão de atuar com a atenção dividida entre múltiplas ferramentas, os atributos evolucionais necessários para sobreviver mudam. A mente que consegue controlar vários processos de forma eficaz tem uma vantagem evolucional sobre as outras. Há uma base genética para essa facilidade. À medida que gente com essa vantagem se reproduz mais que os outros, ocorre seleção. Várias pessoas – como os biólogos evolucionistas Richard Dawkins e Stephen Jay Gould – previram que o cérebro passaria a ter um papel mais fundamental na evolução. Mas creio que estamos acelerando este papel. Os neandertais acordaram um dia e encontraram o Homo sapiens jogando bola na esquina da casa deles. Um dia, um sujeito pode acordar e se dar conta de que ele já não pertence mais à espécie dos pais. Mas estamos falando de milênios aqui.

Sua abordagem para criar uma interface cérebro-maquina foi listada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) como uma das dez tecnologias que vão mudar o mundo. Como ela surgiu?

Nós – eu e o neurocientista John Chapin – elaboramos um experimento para contestar a doutrina neuronal dominante no século 20 – que rendeu vários prêmios Nobel. Esta teoria estabelecia o neurônio como unidade funcional do sistema nervoso. Nós provamos que a unidade funcional é uma população de células. Um neurônio isolado – que sozinho constitui, de fato, uma unidade anatômica e computacional – não consegue reunir informação suficiente para gerar comportamento, principal função do cérebro. No fim da década de 80, tivemos a ideia de ligar um cérebro de rato a um robô para mostrar que mesmo o neurônio mais fenomenal não gera movimento. Mas, quando registrávamos populações de cinquenta neurônios – mesmo escolhendo-os de forma aleatória -, o animal conseguia movimentar o braço mecânico como se fosse o seu próprio. Não esperávamos um impacto tão grande. Construímos o primeiro centro de neuroengenharia do mundo na Universidade Duke. Agora, qualquer oficina de fundo de quintal nos Estados Unidos tem um centro de neuroengenharia. Há uma explosão de iniciativas no mundo inteiro: Japão, Suíça, Brasil…

Quais os principais desafios para aprimorar essa tecnologia?

Conseguimos registrar hoje cerca de 600 neurônios. Nos próximos dois anos, vamos chegar a 60 mil graças a uma inovadora tecnologia de eletrodos tridimensionais. De qualquer forma, é um método invasivo, o que restringe seu uso. Ninguém vai inserir eletrodos no cérebro para brincar com jogos na internet. Precisamos descobrir técnicas não-invasivas, mas que tenham a mesma resolução para registrar os neurônios.

O que é “registrar neurônios”?

Colocamos eletrodos no cérebro e registramos a atividade elétrica dos neurônios. Se você colocar os dados obtidos pelos eletrodos em uma tela de computador, não vai entender nada. É como olhar um programa binário de computador. Há uma mensagem codificada ali, mas com um código que está mudando continuamente, pois o cérebro é um sistema auto-adaptativo: cada vez que você faz alguma coisa, ele muda. Precisávamos descobrir um modo de extrair a informação motora dessas salvas de eletricidade que são, na realidade, padrões espaço-temporais que variam com o tempo. De início, parecia ruído… em boa medida, porque é mesmo ruído Poisson, como costumamos chamar. Mas percebemos que, com métodos de regressão linear, conseguíamos obter a informação. A partir daí, deixamos o próprio cérebro atuar como nosso computador: ele resolvia o sistema de equações lineares e encontrava um equilíbrio ótimo que aproveitávamos para estabelecer a interface.


Leia mais sobre Miguel Nicolelis:


segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Miguel Nicolelis e a Ciência no Brasil

Entrevista de Miguel Nicolelis sobre Ciência e Tecnologia no Brasil.



O que você acha da política científica brasileira?
Está ultrapassada. Principalmente, a gestão científica. Foi por isso que eu escrevi o Manifesto da Ciência Tropical (mais informações nesta página). O mais importante nós temos: o talento humano. Mas ele é rapidamente sufocado por normas absurdas dentro das universidades. Não podemos mais fazer pesquisa de forma amadora. Devemos ter uma carreira para pesquisadores em tempo integral e oferecer um suporte administrativo profissional aos cientistas. Visitei um dos melhores institutos de física do País, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e o pessoal não tem suporte nenhum. Se um americano do Instituto de Física da Universidade Duke visitar os pesquisadores brasileiros, não vai acreditar. Eles tomam conta do auditório, fazem os cheques e compram as coisas, porque não é permitido ter gestores científicos com formação específica para este trabalho. Nós preferimos tirar cientistas que despontaram da academia. Aqui no Brasil há a cultura de que, subindo na carreira científica, o último passo de glória é virar um administrador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) ou da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). É uma tragédia. Esses caras não tem formação para administrar nada. Nem a casa deles. Não temos quadros de gestores. A gente gasta muito dinheiro e presta muita atenção em besteira e não investe naquilo que é fundamental.

Qual é a diferença nos mecanismos de financiamento e gestão científica nos EUA e no Brasil?

O investimento privado e público americano - sem contar os gastos do Pentágono que, em parte, são sigilosos - é equiparável: cerca de US$ 250 bilhões anuais cada um (o equivalente a R$ 425 bilhões). Eles também enfrentam o problema de que as empresas privadas não costumam investir em pesquisa pura, meio de cultura de onde saem as ideias aplicadas. Contudo, o governo não investe só em universidades. Ele também coloca dinheiro em empresas e em institutos de pesquisa privados. Este é o segredo. No Brasil, a grande maioria dos mecanismos públicos de financiamento está voltado para universidades públicas. Sendo assim, você não contrata cientistas e técnicos para um projeto, pois depende dos quadros da universidade. Mas esses quadros estão dando 300 horas de aula por semestre. Não dá para competir com um chinês que está em Berkeley pesquisando o dia inteiro e recebendo milhões de dólares para contratar quem ele quiser. Como fazer ciência sem gente? Na realidade, os americanos não contam com pessoas mais capazes lá. O que eles têm de diferente é um número muito maior de pesquisadores, processos eficientes, gestão científica profissional - a melhor jamais inventada - e dinheiro. Nos Estados Unidos, sou visto como um pequeno empreendedor. Recebo dinheiro do governo americano e uma parcela menor de investimento privado. Tenho assim uma "padaria" que faz ciência: posso contratar o padeiro, o faxineiro e a atendente de acordo com as necessidades do projeto. Esse empreendedorismo não é permitido pelas leis brasileiras. As mesmas regras que regem o gasto de quaisquer dez mil réis que um cientista ganha do governo federal servem para controlar licitações de centenas de milhões de reais para a construção de estradas, hidrelétricas... Achar que um cientista vai desviar dinheiro para fazer fortuna pessoal é absurdo. O processo de financiamento deve ser mais aberto, com mecanismos simples de auditoria. Além disso, deveria ser mais fácil importar insumos e, com o tempo, precisaríamos atrair empresas para produzi-los aqui. É um absurdo ver anticorpos apodrecerem no aeroporto de Guarulhos por causa da burocracia. Alguém no topo da pirâmide - o presidente da República ou o ministro da Ciência e Tecnologia - precisa dizer: "Chega. Acabou a brincadeira." É um desperdício gigantesco de talento e de dinheiro. A China está recuperando pesquisadores que emigraram para os EUA oferecendo condições de trabalho ainda melhores que as americanas. Milhares de brasileiros voltariam ao Brasil se tivessem melhores condições para trabalhar. Mas o sujeito vem para uma universidade federal e é obrigado a dar 300 horas de aula por semestre. Perdemos o talento. Além disso, ele conquista a estabilidade de forma quase automática. Que motivação vai ter para crescer? Há talentos, mas os processos são medievais. E o cientista brasileiro tem muito receito de bater de frente com as autoridades para reivindicar o que ele realmente precisa.

Quanto o Brasil deveria investir em ciência?

O Brasil precisa investir de 4% a 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em ciência e tecnologia para encarar a China, a Índia, a Rússia, os Estados Unidos, a Coreia do Sul... esses são os jogadores com quem devemos nos equiparar. É o mesmo porcentual que já investimos em educação. É essencial realizar os dois investimentos: por um lado, para formar gente e iniciar a revolução educacional que o País precisa; por outro, para usar o potencial intelectual dessas pessoas na produção de algo para o País. Atualmente, investimos 1,3% do PIB. No Japão, é quase 4%. Isso explica muita coisa.

Você afirmou diversas vezes que a ciência precisa ser democratizada no País.

Sem dúvida. É uma atividade extremamente elitizada. Não temos a penetração popular adequada nas universidades. Quantos doutores são índios ou negros? A ciência deve ir ao encontro da sociedade brasileira. Essa foi uma das razões que me motivaram a escrever o manifesto. Até bem pouco tempo, a ciência era uma atividade da aristocracia brasileira. Há 30 ou 40 anos só a classe mais alta tinha acesso à universidade. Não precisavam de financiamento porque tinham dinheiro próprio. Hoje, nós precisamos de cientista que joga futebol na praia de Boa Viagem. Precisamos do moleque que está na escola pública. As crianças precisam ter acesso à educação científica, à iniciação científica. O que também implica uma democratização na distribuição de oportunidades e recursos em todo o País. Estamos trabalhando com 21 crianças da periferia de Natal. Elas nem mesmo entraram no ensino médio e já estão sendo incorporadas às linhas de produção de ciência do nosso instituto. Quatro participaram de um projeto piloto em que aprenderam a usar ressonância nuclear magnética de bancada para medir o volume de óleo nas sementes do pinhão-manso do semi-árido nordestino. E classificaram as diferentes sementes de acordo com a quantidade de óleo. Duvido que exista algum técnico na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) melhor do que essas crianças. Não precisamos mais de caciques. Precisamos de índios. Devemos investir na massificação dos talentos. Esses moleques vão decidir o que vai ser a nossa ciência. Se chega um jovem muito talentoso que quer investigar besouro, devemos responder: "Está bom, filho. Vai pesquisar besouro." Eu não investiria em tópicos, em áreas específicas. Eu investiria primordialmente em gente. Porque se você investir em pessoas talentosas, elas encontrarão nichos em que o Brasil terá benefícios tremendos. Nós temos uma das maiores olimpíadas de matemática do mundo, o que comprova que nosso talento matemático é enorme. Mas não dá frutos porque faltam caminhos, oportunidades, veículos... Acreditamos que devemos escolher o melhor menino. Mas e os outros cem mil que quase ganharam? Precisam de incentivo para continuar. Por isso, eu proponho o bolsa-ciência. É um bolsa-família para garoto que tem talento científico. Não precisa ser gênio. Estou fazendo isso com esses 21 meninos. Os quatro garotos do pinhão-manso recebem mais dinheiro do que o pai e a mãe: uma bolsa de R$ 520 paga por doadores privados. Precisamos investir no caos que é o sistema nervoso. Desta forma, encontraremos caminhos imprevistos, surpresas agradáveis.

Como avaliar mérito na academia?

Nós publicamos mais do que a Suíça. Mas o impacto da ciência suíça é muito maior. Basta ver o número de prêmios Nobel lá. E eles têm apenas cinco milhões de habitantes. Na academia brasileira, as recompensas dependem do que eu chamo de "índice gravitacional de publicação": quanto mais pesado o currículo, melhor. Ou seja, o cientista precisa colecionar o maior número de publicações - sem importar tanto seu conteúdo. Não pode ser assim. O mérito tem de ser julgado pelo impacto nacional ou internacional de uma pesquisa. Não podemos dizer: quem publica mais, leva o bolo. Porque aí o sujeito começa a publicar em qualquer revista. Não é difícil. A publicação científica é um negócio como qualquer outro. Mesmo se você considerar as revistas de maior impacto. Também não adianta criar e usar um índice numérico de citações (que mede o número de citações dos artigos de um determinado cientista). Talento não está no número de citações: é imponderável. Meu departamento na Universidade Duke nunca pediu meu índice de citação. Também nunca calculei. Quando sai do Brasil, achei que estava deixando um mundo de lordes da ciência. Fui perguntando nome por nome lá fora. Ninguém conhecia. Ninguém sabia quem era. Críamos uma bolha provinciana que deve ser estourada agora se o Brasil quer dar um salto quântico. Mas as pessoas têm receio de falar com medo de perder o financiamento. Há outras formas de medir o impacto científico: ver o que cara está fazendo e consultar a opinião de pessoas que importam no mundo, dos líderes de cada área. Sob este ponto de vista, o impacto da ciência brasileira é muito baixo. E precisamos dizer isso sem medo. Não dá para esconder o sol com a peneira. Quando decidem criar um Instituto Nacional (de Ciência e Tecnologia), em vez de dividir o dinheiro entre 30 ou 40 pesquisadores promissores, preferem pulverizar o dinheiro entre 120 cientistas, muitos deles com propostas que não vão chegar a lugar nenhum. Cada um recebe um R$ 1 milhão, uma quantia considerável na opinião de muita gente mas que não paga nem a conta de luz de um projeto bem feito. Não podemos ter receio de selecionar os melhores. Você precisa escolher os bons jogadores, não os pernas-de-pau. Outra coisa: só o Brasil ainda admite cientista por concurso público. Cientista tem de ser admitido por mérito, por julgamento de pares, por entrevista, por compromisso, por plano de trabalho.

Como você se vê na Academia?

Sou um pária. Não tenho o menor receio de falar isso. Sou tolerado. Ninguém chega para mim de frente e fala qualquer coisa. Mas, nos bastidores, é inacreditável a sabotagem de que fomos vítimas aqui em Natal nos últimos oito anos. Mas sobrevivemos. O Brasil é uma obsessão para mim. Há muita gente que não faz e não quer que ninguém faça, pois o "status quo" está bem. Tenho excelentes amigos na academia do País, respeito profundamente a ciência brasileira. Sou cria de um dos fundadores da neurociência no Brasil, o professor César Timo-Iaria, e neto científico de um prêmio Nobel argentino - Bernardo Alberto Houssay. Por isso, foi uma triste surpresa os anticorpos que senti quando eu voltei. Algumas pessoas ficaram ofendidas porque não fiz o beija-mão pedindo permissão para fazer ciência na periferia de Natal. Este ano, na avaliação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), tivemos um dos melhores pareceres técnicos da área de biomedicina. E o nosso orçamento foi misteriosamente cortado em 75%. Pedi R$ 7 milhões. Recebemos R$ 1,5 milhão. Operamos com um sexto do nosso orçamento. As pessoas têm medo de abrir a boca, porque você é engolido pelos pares. Então, eu fico imaginando um pesquisador que volta para o Brasil depois de estudar lá fora. De qualquer forma, o pessoal precisa entender que voltar para o Brasil é assumir um tipo especial de compromisso. Não é ir para Harvard, Yale... Você deve estar disposto a dar seu quinhão para o País porque ele ainda está em construção. Nem tudo vai funcionar como a gente quer. Vejo muita gente egoísta voltando para o Brasil. Os jovens precisam olhar menos para o umbigo e mais para a sociedade.

Qual é o futuro dos jovens pesquisadores no País?

Atualmente, eles têm uma dificuldade tremenda de conseguir dinheiro porque não são pesquisadores 1A do CNPq. Você precisa ser um cardeal da academia para conseguir dinheiro e sobressair. Com um físico da UFPE, cheguei à conclusão de que Albert Einstein não seria pesquisador 1A do CNPq, porque ele não preenche todos os pré-requisitos - número de orientandos de mestrado, de doutorado... Se Einstein não poderia estar no topo, há algo errado. Minha esperança é que o futuro ministro ataque isso de frente pois, até agora, ninguém teve coragem de bater de frente com o establishment da ciência brasileira. Ninguém teve coragem de chegar lá e dizer: "Chega! Não é assim! A ciência não está devolvendo ao povo brasileiro o investimento do povo na ciência." Os cientistas brilhantes jovens não têm acesso às benesses que os grandes cardeais - pesquisadores A1 do CNPq - têm, muitos deles sem ter feito muita coisa que valha. Além disso, veja a situação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT, que assessora o presidente da República nas decisões relacionadas à política científica). O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) - agora, um grande matemático - me perdoe, mas ele não deveria ter cadeira cativa nesse conselho. O Brasil deveria ter um conselho de gente que está fazendo ciência mundo afora. E não pessoas que ocupam cargos burocráticos em associações de classe. Deveria ser gente com impacto no mundo. E pessoas jovens com a cabeça aberta. Mas as pessoas têm muita dificuldade de quebrar esses rituais. Para entender a que me refiro, basta participar de reuniões científicas e acompanhar a composição de uma mesa. Não há nada semelhante em lugar nenhum do mundo: perder três minutos anunciando autoridades e nomeando quem está na mesa. É coisa de cartório português da Idade Média. Cientista é um cidadão comum. Ele não tem de fazer toda essa firula para apresentar o que está fazendo. É um desperdício de energia, uma pompa completamente desnecessária. Muitas vezes, os pesquisadores jovens não podem abrir a boca diante dos cientistas mais velhos. Eu ouço isso em todo o Brasil. No meu departamento nos Estados Unidos, sou professor titular há quase doze anos. Minha voz não vale mais que a de qualquer outro que acabou de chegar. Qualquer um pode me interpelar a qualquer momento. Qualquer um pode reclamar de qualquer coisa. Qualquer um pode fazer qualquer pergunta. E ninguém me chama de professor Nicolelis. Meu nome lá é Miguel. Por quê? Porque o cientista é algo comum na sociedade. O meu estado (a Carolina do Norte) possui uma das maiores densidades de PhD na população dos EUA. Se você se comportar como um pavão lá, vai se dar mal. Todo mundo tem pelo menos um PhD. Aqui, precisamos colocar a molecada da periferia de Natal, de Rio Branco e de Macapá na ABC, por mérito. Às vezes, parece que existe uma igreja chamada Ciência no País. Se você não é um membro certificado, ela é impenetrável. Minhas críticas não são pessoais. Quero que o Brasil seja uma potência científica para o bem da humanidade. As pessoas precisam ver que a juventude científica brasileira está de mãos atadas. Precisamos libertar este povo. Já estou no terço final da minha carreira científica. O que me resta é ajudar essa molecada a fazer o melhor.

Você tem uma opinião bastante crítica sobre a política científica no País. Mas, na eleição, manifestou apoio publicamente à Dilma. Por quê?

Porque a outra opção [Serra] era trágica. Basta olhar para o Estado de São Paulo: para a educação, a saúde e as universidades públicas. Não preciso falar mais nada. Eu adoro a USP, onde me formei. Mas a liderança que temos hoje na USP é terrível. O reitor da USP (João Grandino Rodas) é uma pessoa de pouca visão. Não chega nem perto da tradição das pessoas que passaram por aquele lugar. São Paulo acabou de perder um investimento de 150 milhões de francos suíços (cerca de R$ 270 milhões) porque o reitor da USP não tinha tempo para receber a delegação de mais alto nível já enviada pelo governo suíço ao Brasil. Mandaram o pró-reitor de pesquisa da universidade (Marco Antônio Zago) fazer uma apresentação para eles. Ninguém agradeceu a visita. Manifestei oficialmente ao professor Zago minha indignação como ex-aluno da USP. Um dos integrantes da delegação suíça doou um super-computador de US$ 20 milhões de dólares (cerca de R$ 34 milhões) para nosso instituto em Natal. Chegou na semana passada e será um dos mais velozes do Brasil. Não pagamos um centavo. Não há mais espaço para provincianismo na ciência mundial. Nas reuniões que eu presenciei com comitês e comissões de outros países, a tônica da Fapesp sempre foi assim: "Fora de São Paulo não existe ciência que valha a pena investir". Esse tipo de coisa é muito mal visto pelos estrangeiros. Não há mais lugar para regionalismo, preconceito... É ótimo para São Paulo ser responsável por 70% da produção científica do País, mas é muito ruim para o País, que precisa democratizar o acesso à ciência. Não adianta dizer em reuniões com emissários internacionais que São Paulo tem uma "relação amistosa" com o Brasil, este outro País fora das fronteiras do Estado. Este bairrismo não ajuda em nada. A Fapesp é uma jóia, um ícone nacional, reconhecida no mundo inteiro. Mas isso não quer dizer que as últimas administrações foram boas. Temos de ser críticos. Esta última administração, em especial, foi muito ruim. A Fapesp está perdendo importância. Veja só: a Science (no artigo publicado há algumas semanas sobre a ciência no Brasil) não dedicou uma linha à Fapesp. Que surpresas você vê saindo da ciência de São Paulo? Acho que a matéria da Science foi uma boa chamada para acordar, para sair dos louros, descer do salto alto e ver o que podemos fazer com os R$ 500 milhões anuais da Fapesp. Ah, se eu tivesse um orçamento assim! Temos muito menos e posso dizer para o diretor-científico da Fapesp (Carlos Henrique de Brito Cruz) que nós saímos na Science. E ele tem condição de investir nos melhores centros de pesquisa do País.

Como você avalia o governo Lula?

Apoiei e apoio incondicionalmente o presidente Lula porque vivemos hoje o melhor momento da história do País. A proposta global de inclusão do governo Lula - e espero que será a mesma com a Dilma - é aquela que eu acredito. Contudo, os detalhes devem ser corrigidos. Admiro profundamente o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende. Tivemos grandes avanços como a criação dos INCTs e dos fundos setoriais. Mas o ministro não enfrentou a estrutura. Talvez não pudesse... por não ter condições práticas ou por fazer parte dela, por ter crescido nela. Em oito anos, nunca fui chamado para dar uma opinião no MCT ou para apresentar os resultados do projeto de Natal. Sei que outros cientistas, melhores do que eu, também não foram chamados. É curioso. Mas fui chamado pelo Ministério da Educação. O ministro (Fernando Haddad) é o melhor já tivemos na história da República. Ele criou a infraestrutura que será lembrada daqui a 50 anos como a reviravolta da educação brasileira. Com o Haddad eu consigo conversar e nossa parceria está dando resultados.

O que você achou da escolha de Aloizio Mercadante para o MCT?

Estou curioso para saber qual é o currículo dele para gestão científica. Fiquei surpreso com a indicação, mas não o conheço. Não tenho a mínima ideia do seu grau de competência. Mas não fica bem para a ciência brasileira - um ministério tão importante - virar prêmio de consolação para quem perdeu a eleição. Não é uma boa mensagem. Mas talvez seja bom que o futuro ministro não seja um cientista de bancada, alguém ligado à comunidade científica. Assim, se ele tiver determinação política, poderá quebrar os vícios. O primeiro ministro da Ciência e Tecnologia (Renato Archer, que permaneceu no cargo de 1985 a 1987) não era cientista e foi talvez um dos melhores gestores que já tivemos. Ele tinha consciência de que seu ministério era estratégico. O MCT estabelece parcerias e tem impacto na ação de outros ministérios: Educação, Saúde, Indústria e Comércio, Relações Exteriores, Agricultura, Meio Ambiente... Hoje, boa parte do orçamento do ministério não é nem executado. As agências de financiamento não têm uma rotina de chamadas. Não podemos continuar como está. "


Fonte: Blog Luis Nassif 

Leia também: A Ciência e Tecnologia na "era-Lula"



Leia mais sobre Miguel Nicolelis:
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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A Ciência Brasileira na visão da Science

Ciência brasileira é tema da principal matéria da prestigiosa Science

por Conceição Lemes

Ter trabalho mencionado ou publicado na Science é o sonho de todo cientista. Pudera. Publicada pela Associação Americana pelo Avanço da Ciência (www.aaas.org), é a mais prestigiosa revista de ciência do mundo, ao lado da Nature , inglesa.

A triagem é rigorosíssima. Os critérios para publicação, científicos, mesmo.

Imaginem ser o tema de uma reportagem de seis páginas. É o supra-sumo.

Pois a edição 331 da Science, que começou a circular nessa tarde, dedica seis páginas à ciência brasileira. É a principal reportagem da edição. Nessa magnitude, é a primeira vez que isso acontece na publicação que já teve como um dos seus editores o Thomas Edison (1847-1931), criador da lâmpada elétrica, do fonógrafo e do projetor de cinema, entre outras invenções.

A reportagem começa e termina por Natal (RN). Mais precisamente no município Macaíba, que sedia o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lilly Safra, mais conhecido como Centro do Cérebro, implantado pelos neurocientistas Miguel Nicolelis e Sidarta Ribeiro.
A reportagem destaca também, entre outras, as pesquisas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da Petrobras e da Amazônia. 
Sinceramente emocionante. Uma demonstração clara de que:
1) Lá fora, estão de olho no que se faz aqui.

2) É preciso mudar o modo de gestão científica no Brasil.

3) A Universidade de São Paulo, apesar de ter grande produção científica, está perdendo espaço. Nenhuma pesquisa da USP foi destacada. Sinal de alerta de que há algo errado.

4) O que o Brasil está fazendo em termos de ciência tem sentido.

5) A visão do Centro de Natal de que ciência é agente de transformação social convenceu até os gringos, apesar de ela ainda sofrer resistência e bombardeio de setores da academia brasileira.
A propósito, todos os aspectos da Ciência Tropical estão no artigo da Science. Sinal de que ela é o futuro.


Confira você mesmo. Segue a íntegra da tradução do artigo da Science, exceto os quadros.
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Foto: Blog viomundo, acessado em 07dez2010
Ciência brasileira: de vento em popa

Uma economia vigorosa e descobertas de petróleo estão impulsionando a pesquisa no Brasil a novas alturas. Mas as lideranças científicas precisam superar um sistema educacional fraco e um histórico de pouco impacto.

NATAL – De pé, braços abertos, Miguel Nicolelis aponta para uma escavação retangular na terra seca nos arredores da cidade litorânea brasileira de Natal. “É aí que vai ficar o supercomputador”, diz ele. E indicando uma área ainda coberta de mato, acrescenta: “ali é o complexo esportivo”.


Nicolelis é o cientista mais conhecido do Brasil. Neurobiologista
da Universidade Duke, em Durham, Carolina do Norte, ele ficou
famoso depois de experiências espetaculares que usam sinais
emitidos por cérebros de macacos para fazerem robôs andarem.
Mas quando apresentou, em 2003, seus planos de criação de um
instituto de neurociência em uma região atrasada do Nordeste
do país, poucos acreditaram que poderia dar certo.
(Science, 20 de fevereiro de 2004, p. 1131)

A ideia era combinar ciência de ponta com uma missão social: desenvolver uma das regiões mais pobres do Brasil. Nicolelis, que atualmente passa parte do ano no país, mostra-se ansioso para oferecer ao visitante uma “prova categórica” do sucesso. Ele pôs a mão na massa e construiu duas escolas de ciência para crianças mais uma clínica de atendimento materno, e recrutou 11 neurocientistas PhD para dirigir laboratórios numa sede improvisada. Dentro de alguns meses, diz ele, US$ 25 milhões de recursos federais brasileiros vão começar a escoar para seus terrenos arenosos, criando um vasto complexo de neurociência que Nicolelis chama de seu “Campus do Cérebro”.

“No Brasil, precisamos da ciência para construir um país”, diz Nicolelis, um entusiasmado nacionalista cujas paixões incluem usar um boné verde do clube de futebol Palmeiras e entornar jarras de suco de maracujá amarelo. “Este lugar vai criar a próxima geração de líderes brasileiros.”

Alguns continuam a achar excêntrica a ideia de Nicolelis. Mas o momento não poderia lhe ser mais propício. Nos últimos 8 anos, o maior país da América Latina começou a viver uma grande expansão. Sua economia está crescendo de maneira acelerada e ele se tornou um ator nos assuntos mundiais, festejando um surto sem precedente de autoconfiança. O país vai receber a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos dois anos depois.

Os bons tempos estão beneficiando a ciência, também. Entre 1997 e 2007, o número de papers brasileiros em publicações indexadas, avaliadas por pares mais que dobrou, para 19.000 por ano. O Brasil figura hoje em 13º em publicações, segundo a Thomson Reuters, tendo ultrapassado Holanda, Israel e Suíça. Universidades brasileiras formaram duas vezes mais doutores este ano do que em 2001, e milhares de novos empregos acadêmicos foram abertos em 134 novos campi federais.

Trata-se de uma inversão da sorte para um país que durante os anos 1990 teve de enfrentar problemas econômicos terríveis. Naquela época, os pesquisadores mendigavam fundos; o Brasil chegou a ter sua bandeira retirada do logotipo da Estação Espacial Internacional depois de não conseguir financiamento para construir seis componentes. “Nós estávamos pensando cada vez menor”, diz Sérgio Rezende, ministro da Ciência e Tecnologia nos últimos cinco anos. “Se não conseguíamos resolver pequenos problemas, como poderíamos resolver os grandes? Agora estamos em condição de pensar grande novamente.”

O combustível que impele a ciência no Brasil é um imposto de P&D sobre grandes indústrias; ele aumentou o orçamento do ministério de Rezende de US$ 600 milhões, há uma década, para US$ 4 bilhões. A companhia de petróleo nacional, a Petrobrás, é a maior contribuinte. O Brasil reiniciou seu programa de pesquisas nucleares em 2008, após 20 anos de calmaria, e, em outubro, uma delegação viajou a Genebra para negociar uma associação com o CERN. Com a economia brasileira crescendo a uma taxa de 7%, neste ano, o país pode se dar ao luxo de pagar US$ 14 milhões por ano para isso.

Cientistas daqui dizem que seus argumentos em prol de mais educação, inovação e tecnologia foram ouvidos na capital, Brasília, e esperam que os orçamentos continuem crescendo sob o comando da presidente eleita Dilma Rousseff, a primeira mulher a ocupar esse posto no país. Segundo autoridades da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), até 2020 o Brasil deve dobrar ou triplicar a produção de alunos, de papers e os investimentos e se tornar uma força “formidável” em ciência. Autoridades federais querem ver o Brasil entre os 10 principais países produtores de ciência do mundo.

Mas o Brasil ainda não é formidável. Como o instituto de Nicolelis ­– onde a construção está com um atraso de anos no cronograma – a produção científica brasileira segue atrás de suas ambições. O país produz poucos papers de alto impacto e apenas um filete de patentes. Seu sistema de educação pública primária e secundária está em frangalhos, deixando o país de 195 milhões de habitantes cronicamente carente de trabalhadores técnicos.

“Precisamos ser lúcidos e não cair num discurso de vitória”, ressalva Sidarta Ribeiro, um neurocientista formado na Rockfeller University em Nova York e cofundador do instituto do cérebro de Nicolelis. “Em termos de impacto, somos marginais. O discurso externo para o mundo deveria ser que estamos interessados em ciência e estamos progredindo. O discurso interno deveria ser, ´Vamos melhorar. Vamos focar no mérito`.”

Tempos de expansão

O Brasil está claramente se destacando na América Latina, como mostram os indicadores. O país responde hoje por mais de 60% de todos os gastos em pesquisa na América Latina, e os cientistas brasileiros escrevem metade dos papers. A burocracia científica do Brasil é influente, também, contando com um ministério próprio desde 1985. Esse é um passo que a Argentina só deu há três anos e que a vizinha Bolívia está discutindo atualmente. “O Brasil é o único exemplo na América Latina em que 1% do PIB vai para P&D e o ministro da Ciência e Tecnologia é um físico que ainda publica. Assim, o Brasil é o farol”, diz Juan Asenjo, presidente da Academia Chilena de Ciências.

A globalização dos mercados também está operando em favor do Brasil. Como em outros países latino-americanos, a base de pesquisa do Brasil é pesadamente orientada para agricultura, ecologia e doenças infecciosas – ele é o primeiro do mundo em publicações relacionadas a açúcar, café e suco de laranja. A indústria pecuária brasileira produz 33% dos embriões bovinos do mundo. Pesquisa outrora secundária, hoje ela está crescentemente bem situada para abordar preocupações globais com produção de alimentos, mudanças climáticas e conservação.

Nicolelis diz que vê uma “maneira tropical emergente de fazer ciência” movida pela pesquisa em energia renovável, agricultura, água e genética vegetal e animal. “Essas são as questões definidoras do planeta, e, acreditem ou não, os players estão bem aqui”, diz Nicolelis.

A pesquisa biológica é uma área de crescimento acelerado. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, empresa estatal de pesquisa agrícola conhecida como Embrapa, pretende contratar 700 novos pesquisadores neste ano. A Embrapa é considerada uma das unidades de pesquisa agrícola de primeira linha do mundo e seu orçamento de US$ 1 bilhão é hoje do mesmo porte do orçamento do Agricultural Research Service do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. “Nunca vi tantos recursos para a ciência como nos últimos cinco anos”, diz Maria de Fátima Grossi de Sá, uma geneticista de plantas que recebeu recentemente US$ 1,5 milhão para desenvolver uma planta de algodão transgênica.

De Sá trabalha na estação de pesquisa da Embrapa em Brasília, que também está concluindo testes de uma soja resistente a herbicidas que será a primeira planta geneticamente modificada projetada por cientistas brasileiros a chegar ao mercado. A demanda por cientistas PhD está tão elevada que De Sá diz que é difícil encontrar alguns para assumirem cargos de pós-doc. “Nós passamos muito rapidamente da dificuldade de colocar PhDs a ter verbas sem receptores.”

A Embrapa está finalizando a construção de um centro de agroenergia de quatro andares e custo de US$ 15 milhões que empregará 100 pesquisadores no campus de Brasília. Um objetivo é transformar os 22 milhões de hectares de soja do Brasil em produtos mais valiosos como o biodiesel.

“Nós captamos energia solar e a transformamos em outras formas de energia. Achamos que podemos mudar muito rapidamente da agricultura voltada à produção de alimentos para a agricultura destinada à energia. Podemos ser um player”, diz Frederico Ozanan Machado Durães, diretor geral da nova unidade. Para ele, incontáveis carregamentos de soja que embarcam para a Ásia a cada dia de portos brasileiros poderiam energizar indústrias domésticas de lipoquímica e plásticos que produzem “produtos com valor agregado”.

O projeto representa uma importante virada do pensamento brasileiro: a saber, que a ciência pode transformar a economia do país, atualmente dominada por commodities como soja, carne bovina, cana de açúcar, minério de ferro e petróleo. “O novo Brasil será uma economia de conhecimento natural”, diz Gilberto Câmara, diretor da agência espacial do Brasil.

Com mais dinheiro e uma missão de ciência verde emergente, pesquisadores brasileiros dizem que serão levados mais a sério. A maioria dos cientistas seniores das Embrapa foi formada nos estados Unidos, como o Diretor-Executivo José Geraldo Eugênio de França, que em 1987 foi para a Texas A&M University para estudar genética do sorgo, França diz que notou uma mudança durante uma missão a Washington, D.C., em novembro passado, quando se encontrou com o consultor americano de ciências John Holdren e outras autoridades. “Pela primeira vez na história, tivemos um reconhecimento de que alguma coisa está mudando no Brasil. Eles não nos perguntaram quantos pós-doc precisávamos enviar, ou onde nós precisávamos de ajuda, mas onde poderíamos trabalhar juntos”, diz França.

Dinheiro privado

O objetivo mais importante neste momento, reconhece Rezende, “é que a ciência faça diferença na produtividade da indústria. Eu teria de dizer que esse é nosso grande desafio”. Outros objetivos são aumentar o número de cientistas, investir em áreas estratégicas, e resolver problemas sociais chaves.

A desconexão entre ciência e negócios é quase total no Brasil, segundo pesquisadores. Nos Estados Unidos, cerca de 80% do pessoal de pesquisa trabalha na indústria, segundo dados da OCDE, enquanto no Brasil essa cifra fica em torno de 25%. O Brasil quase não produz patentes – apenas 103 patentes americanas foram emitidas para inventores no Brasil em 2009 – e companhias brasileiras gastaram metade do que as européias gastam em P&D. Quando elas gastam, é mais na importação de tecnologia que em seu desenvolvimento.

Pesquisadores dizem que os 20 anos de ditadura no Brasil, findos em 1984, foram em parte responsáveis pelo atraso. As universidades se tornaram redutos da oposição política e círculos de leitura marxista, nos quais as patentes eram vistas como opressão. “Nós nos isolamos das grandes indústrias, que apoiavam os militares. Elas não podiam entrar na universidade. A universidade se tornou fechada, hermética, e agora precisamos mudar isso”, diz Maria Bernardete Cordeiro da Sousa, pró-reitora de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

As autoridades vêm tentando vencer o atraso na inovação. Em 2004 e 2005, o Brasil aprovou leis que concedem benefícios fiscais à P&D para empresas e começou a permitir que o Ministério da Ciência e Tecnologia conceda verbas a empresas, e mesmo pague salários de pesquisadores nas empresas industriais. Em agosto, o ministério anunciou um grande projeto de P&D industrial, oferecendo US$ 294 milhões em verbas para apoiar projetos de inovação dentro de companhias em “áreas estratégicas” como carros elétricos, marca-passos e culturas agrícolas geneticamente modificadas.

Ainda é cedo para dizer que os incentivos do governo estão funcionando. Somente um pequeno número de empresas se candidatou às isenções fiscais. Mas a inovação de risco no estilo americano, antes considerada estranha, está sendo vista cada vez mais em termos favoráveis. Capitalistas de risco começaram a se instalar no Brasil, e em 2010, tanto a IBM como a General Electric anunciaram planos de criar centros de pesquisa no país.

“Nos falta uma cultura de inovação e empreendedorismo. Há um longo caminho a percorrer para mudar isso”, diz Luiz Mello, um médico que no ano passado foi designado pela segunda maior empresa do Brasil, a mineradora de minério de ferro Vale S.A, para gastar US$ 180 milhões estabelecendo três novos institutos de ciências corporativos. Mello diz que foi contratado depois de abordar o CEO da Vale, Roger Agnelli, para levantar dinheiro para um programa de engenharia. “A coisa se transformou numa reunião para ele dizer o que queria. E ele queria o MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts] da Vale”, recorda Mello. “Eu estava sendo convidado pra chefiar algo que seria um novo Bell Labs ou Xerox PARC.”


Mello viajou recentemente ao vale do Silício para colher idéias. Embora o negócio da Vale seja de baixa tecnologia, a companhia de commodities, que despacha imensas quantidades de minério para a China e a Europa, quer gastar pesadamente em pesquisa em parte porque tem enfrentado uma forte escassez de mão de obra especializada, aumentando a pressão de ambientalistas, e a concorrência de companhias globais. Os três laboratórios da Vale operarão com biodiversidade, energia renovável e tecnologia de mineração. “Esse é o maior investimento espontâneo em P&D que eu conheço no Brasil”, diz Mello.

As novas leis também encorajam universidades brasileiras a depositar patentes e criar escritórios de transferência de tecnologia, o que muitas estão fazendo pela primeira vez. Na Universidade Federal de Minas Gerais, o número de pedidos de patentes atingiu 356, incluindo uma para uma vacina canina contra leishmaniose , que já chegou ao mercado. “Tudo isso está provocando ressonância no sistema”, diz Ado Jorio, o professor que coordena os esforços de patente da universidade. “Está havendo uma explosão de publicações, e isso também vai ocorrer em inovação.”

Partilhar a riqueza

A ciência brasileira sofre de um outro desequilíbrio, entre o sul afluente e as regiões setentrionais pobres, que as autoridades colocaram como prioridade tentar corrigir. A maior parte da ciência ainda ocorre em apenas três estados sulinos, com a Universidade de São Paulo sozinha respondendo por quase um quarto de todas as publicações científicas. “Um dos maiores problemas que enfrentamos é essa assimetria brasileira, a desigualdade das regiões”, diz Lucia Melo, diretora do Centro de Estudos Estratégicos e Gestão em Ciência, Tecnologia e Inovação, um think tank de política científica do governo em Brasília.

Para levar a ciência ao interior negligenciado do Brasil, o governo se embrenhou numa farra de construção de universidades e reservou 30% dos recursos de pesquisa para os estados pobres do norte e do centro-oeste. Por um programa de 2009, autoridades em Brasília disseram que dariam bolsas de estudo para todos os alunos de pós-graduação em regiões distantes, independentemente do mérito acadêmico. A ideia provém do Partido dos Trabalhadores, o partido governante no país, que fez da melhoria das condições nas áreas pobres uma prioridade. Um programa de bem-estar bastante expandido ajudou a tirar muitos milhões de brasileiros da pobreza. Isso também deu aos cientistas brasileiros espaço para respirar.

“Antes, nós tínhamos de enfrentar a questão, ´Por que vocês estão dando comida e leite para um macaco quando há crianças famintas na casa vizinha?`” diz Cordeiro de Sousa, que também faz pesquisas sobre primatas. Mas ela vê uma compensação: os pesquisadores sentem uma pressão crescente para dedicar tempo para solucionar problemas locais. Ele está analisando a criação de um instituto do sal para respaldar a indústria local de mineração de sal. “É preciso ter uma vocação, porque no futuro poderemos ser chamados a responder intensamente.”

Em nenhum outro lugar a carência de ciência brasileira é mais preocupante do que na Amazônia, a floresta tropical que cobre aproximadamente 49% do território brasileiro, mas abriga somente cerca de 3.000 pesquisadores doutores, dos quais pouquíssimos fazem ciência aplicada. “Imagine o que esse número absolutamente irrelevante representa para essa região imensa”, diz Odenildo Teixeira Sena, secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas. Embora seja maior que a França e a Espanha juntas, o Amazonas possui somente um arqueólogo PhD residente, e apesar de seu vasto sistema fluvial, nenhum engenheiro naval, diz Teixeira.

Uma força de trabalho cada vez mais científica na região poderia ajudar a encontrar alternativas para a agricultura baseada na derrubada e nas queimadas. Mas as ansiedades nacionais também figuram no cálculo. “A maioria das publicações sobre a Amazônia não tem um autor brasileiro. Isso nos preocupa”, diz Jorge Guimarães, o funcionário do Ministério da Educação que supervisiona a educação superior no Brasil. “Precisamos de mais brasileiros participando.”

O Brasil nunca se sentiu seguro de seu controle sobre a vasta região que a Espanha cedeu a Portugal pelo Tratado de Madri de 1750. Com a Amazônia, um foco de manobras internacionais sobre créditos de carbono, a dependência do Brasil da produção externa de conhecimento se tornou “uma questão muito delicada”, diz Adalberto Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia em Manaus. Durante uma conferência nacional de ciência e tecnologia em maio último, Val propôs uma “hegemonia informacional” brasileira sobre o bioma da floresta. “Existe uma questão de soberania nacional”, diz ele

Esses tons nacionalistas podem parecer hostis fora do Brasil, mas eles caem bem no país. O físico Luiz Davidovich, que presidiu a conferência de maio, diz que a comunidade científica brasileira precisa levantar “grandes bandeiras” para mobilizar o país. “´A Amazônia é nossa` é uma delas”, diz ele.

Mesmo alguns especialistas estrangeiros responderam ao apelo. Daniel Nepstad, um renomado ecologista americano especializado em florestas tropicais largou seu emprego em outubro no Woods Hole Research Center, em Massachusetts. para se tornar residente brasileiro e empregado em tempo integral do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, uma organização sem fins lucrativos que ele cofundou, baseada na cidade de Belém.

Daniel Nepstad trocou Massachusetts
pelo Instituto Pesquisa Ambiental da
Amazônia
Nepstad diz que sua filiação americana “era interpretada no sentido de que eu seria menos comprometido com a agenda científica no Brasil”. A política florestal brasileira está evoluindo rapidamente e, diz Nepstad, “enquanto a ciência for liderada por pesquisadores do Hemisfério Norte, estamos perdendo a oportunidade de tornar informações realmente boas em decisões políticas.”

Fazendo acontecer

Apesar de suas ambições crescentes, o Brasil ainda precisa provar que pode fazer pesquisa básica de classe mundial. A contagem dos impactos de seus papers científicos é modesta, cerca de dois terços da média mundial, e caiu em algumas áreas. Nenhum brasileiro ganhou o Prêmio Nobel em ciência ou medicina, enquanto a rival regional, Argentina, tem três. Os cientistas culpam problemas estruturais nas universidades estatais do Brasil. Críticos dizem que eles desencorajam a competição, por exemplo, com mandatos automáticos após três anos no emprego e avaliações que premiam a publicação em língua portuguesa.
“A atitude durante muitos anos foi evitar a competição, manter a cabeça baixa, e escolher um tema marginal”, diz Ribeiro. Em vez de competir de igual para igual em tópicos quentes com grandes laboratórios do exterior, diz ele, os pesquisadores brasileiros às vezes têm se contentado em estudar questões locais. “O pensamento era, ´O tamanduá é nosso por isso não se preocupem com os gringos`.”

Os cientistas brasileiros que voltavam do exterior, atraídos por empregos e os recursos de empresas iniciantes, se queixam de que ainda há muitos obstáculos que tornam quase impossível produzir uma ciência de classe mundial. Após 11 anos nos Estados Unidos, a bióloga Luciana Relly Bertolini retornou ao Brasil em 2006 com seu marido, Marcelo, para começar um laboratório para clonar cabras transgênicas. Embora o esforço esteja financiado de maneira adequada, Bertolini diz que a pesada carga de ensino requerida de professores e a falta de pessoa treinada implica que “aqui se faz ciência por teimosia”.

Também são notórios os regulamentos de importação kafkianos do Brasil. Mesmo simples reagentes demoram meses para chegar, com amostras radioativas e biológicas muitas vezes em condições duvidosas. Bertolini diz que um equipamento de fusão celular que ela encomendou da Hungria ficou preso por quatro meses na alfândega. “Pode-se ter a melhor cabeça do mundo e não conseguir jamais a competitividade porque o governo trabalha contra nós”, diz Bertolini. “Quando começamos a pensar nisso, queremos voltar.”

Alguns dizem que as perspectivas continuarão sombrias até esses problemas ser resolvidos. “Não tenho conhecimento de nenhuma ciência extraordinária no Brasil”, diz Andrew J. G. Simpson, diretor científico do Ludwig Institute for Cancer Research na cidade de Nova York.

Cidadão naturalizado brasileiro, Simpson viveu em São Paulo por sete anos e coordenou um dos triunfos memoráveis do Brasil, o seqüenciamento do patógeno de planta Xylella fastidiosa, que foi parar na capa da revista Nature em 2000. Mas quando Simpson retornou este ano para uma celebração de 10 anos do feito, ele notou que, pelo menos no campo da genômica, “não houve mais nenhum paper de grande impacto. Não houve um processo ascendente. Foi uma situação anormal.”

Autoridades brasileiras se concentraram antes em resolver outro problema: a insegurança nos recursos para pesquisa. Em 2008, em sua maior rodada de financiamento da pesquisa básica em todos os tempos, o Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil ofereceu US$ 350 milhões em três anos para financiar 122 institutos nacionais para enfrentarem temas que variam da computação quântica e células-tronco a modernização da estação de pesquisa na Antártica.

“Eles viram que precisávamos de programas de longo prazo com estabilidade”, diz Davidovich, que divide a direção do programa de computação quântica. Outros cientistas manifestam dúvidas privadamente sobre institutos com nomes grandiosos, notando que na verdade eles são redes virtuais com uma média de 20 pesquisadores universitários cada e dinheiro espalhado demais para se conseguir muita coisa. Em papers de posicionamento, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência disse que o Brasil precisa se concentrar na criação de mais empregos de pesquisa pura fora do sistema universitário. Ela quer um novo instituto com grande staff para estudar os oceanos, e outro para a Amazônia, moldados na agência de estudos agrícolas Embrapa ­– neste caso com financiamento condizente com a visão grandiosa.

Na cidade de Natal, o instituto de neurociência de Nicolelis, atualmente abrigado num hotel convertido, ainda precisa produzir uma ruptura brasileira. Mas ele está cada vez mais bem posicionado para isso. Possui laboratórios razoavelmente equipados, uma instalação para primatas, e uma multidão contratada de jovens professores com currículos promissores, incluindo dois recrutados do Max Planck Center, na Alemanha. Em agosto, a École Polytechnique Fédérale de Lausanne na Suíça doou um supercomputador IBM Blue Gene/L, que Nicolelis diz será o mais rápido da América do Sul.

Ribeiro, o brasileiro que retornou de um pós-doc na Rockefeller para ser o diretor científico do instituto, diz que o ano de ciência que ele esperava perder enquanto organizava o centro se estendeu para três, na medida em que teve que lidar com as autoridades alfandegárias e com um grande número de alunos mal formados. “Agora, eu finalmente estou começando a enfrentar avaliadores de novo, em vez de burocratas, o que é um sinal de que o plano funcionou”, diz Ribeiro, cujo trabalho inclui experimentos para observar o efeito do sono e do sonho na retenção da capacidade motora e perceptiva.

A rua de terra na frente de seu prédio que leva para uma favela próxima, o faz lembrar uma fotografia que viu do Founder`s Hall da Rockefeller depois que ela foi construída em 1906 e ainda estava cercada por campos lamacentos e carruagens puxadas por cavalos: “Eles não começaram com o melhor lugar para fazer ciência tampouco.”

Fonte: Blog Viomundo - Luiz Carlos Azenha

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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Nicolelis lança manifesto da Ciência Tropical

Ao pensar  o futuro da ciência no Brasil, boa parte dos pesquisadores brasileiros volta os olhos, automaticamente, sem pestanejar,  para Estados Unidos, Europa e Ásia. Miguel Nicolelis, um dos mais respeitados neurocientistas do mundo, não.

Foto: Viomundo, acessado 23nov2010
Miguel Nicolelis
palestrando para alunos da UNB
Formado em Medicina pela USP, ele está há 20 anos nos Estados Unidos, onde é professor e pesquisador na Universidade Duke. Já ganhou 38 prêmios internacionais por suas pesquisas. Dois deles, em 2010, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos.

Desde 2003 vive na “ponte aérea” Durham, Carolina do Norte (campus da Duke University) – Macaíba, Rio Grande do Norte, onde implantou o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lilly Safra.

Em 11 de outubro, em entrevista a Luiz Carlos Azenha, Nicolelis afirmou ser desejável o desenvolvimento de uma “ciência tropical”. De lá para cá amadureu a ideia. Colocou “no papel” o que tem pensado sobre o tema nesses anos.

O resultado é o manifesto em defesa de um novo paradigma científico, que o Viomundo publica em primeira mão (abaixo da entrevista). Chama-se Manifesto da Ciência Tropical: Uso democrático da ciência para transformação social e econômica do Brasil.

“Optei por chamar o novo modelo de Ciência Tropical não por razões geográficas ou provincianas, mas porque é necessário caracterizarmos desde já o famoso onde, como e porque que permitiram a sua gestão. Afinal, esse novo modelo só teve condições de dar os primeiros passos e realizar as primeiras experiências nesses trópicos, que hoje oferecem à humanidade a mais fascinante esperança de preservar a própria espécie e o planeta.”

“É essa Ciência Tropical que vai possibilitar à humanidade manter e ampliar suas fontes de energia limpa, produzir alimentos e água potável necessários para bilhões de seres humanos. Também cultivar biomas naturais, de onde extrairemos novos medicamentos e curas para inúmeras doenças, preservar os serviços climáticos e ecológicos que manterão em cheque o aquecimento global e identificar novos agentes infecciosos capazes de destruir, numa única epidemia, toda a raça humana.”
Miguel Nicolelis

De saída, esse novo modelo implica libertar a ciência brasileira da subserviência acrítica aos modelos importados e massificar a educação científica, observa Nicolelis nesta parte da entrevista que me concedeu. Ouçam.

É indispensável também investir pesado em ciência e tecnologia. “O investimento maciço em novas formas de explorar petróleo em alta profundidade foi que capacitou a Petrobras a ser o que ela é hoje”, exemplifica Nicolelis. “E isso é apenas a ponta do iceberg. A Ciência Tropical vai ditar a agenda mundial neste século XXI.”


“Ninguém constrói uma nação com 10 mil pessoas de um bairro da cidade de São Paulo. Você precisa de todo o país”, assegura Nicolelis. “É esse casamento da saúde pública, particularmente a da mulher e a da primeira infância, com o projeto educacional brasileiro, público, que precisa ser feito”.

Para implementar essa revolução educacional, Nicolelis defende que:

o ideal seria unir a filosofia do educador Paulo Freire (1921-1997) com a de Alberto Santos-Dumont (1873-1932), inventor do voo controlado.

Também que, do ponto de vista científico, os nossos parceiros estratégicos não são mais os Estados Unidos, Europa ou Ásia, mas a África e a América Latina. “Pode parecer paradoxal, mas é a pura verdade”, sustenta na última parte da nossa entrevista.

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Manifesto da Ciência Tropical: um novo paradigma para o uso democrático da ciência como agente efetivo de transformação social e econômica no Brasil

por Miguel Nicolelis

É hora de a ciência brasileira assumir definitivamente um compromisso mais central perante toda a sociedade e oferecer o seu poder criativo e capacidade de inovação para erradicar a miséria, revolucionar a educação e construir uma sociedade justa e verdadeiramente inclusiva.

É hora de agarrar com todas as forças a oportunidade de contribuir para a construção da nação que sonhamos um dia ter, mas que por muitas décadas pareceu escapar pelos vãos dos nossos dedos.

É hora de aproveitar este momento histórico e transformar o Brasil, por meio da prática cotidiana do sonho, da democracia e da criação científica, num exemplo de nação e sociedade, capaz de prover a felicidade de todos os seus cidadãos e contribuir para o futuro da humanidade.

No intuito de contribuir para o início desse processo de libertação da energia potencial de criação e inovação acumulada há séculos no capital humano do genoma brasileiro, eu gostaria de propor 15 metas centrais para a capacitação do Programa Brasileiro de Ciência Tropical.

A implementação delas nos permitirá acelerar exponencialmente o processo de inclusão social e crescimento econômico, que culminará, na próxima década, com o banimento da miséria, a maior revolução educacional e ambiental da nossa história e a decolagem irrevogável e irrestrita da indústria brasileira do conhecimento.

Estas 15 metas visam a desencadear a massificação e a democratização dos meios e mecanismos de geração, disseminação, consumo e comercialização de conhecimento de ponta por todo o Brasil.

1) Massificação da educação científica infanto-juvenil por todo o território nacional

O objetivo é proporcionar a 1 milhão de crianças, nos próximos 4 anos,  acesso a um programa de educação científica pública, protagonista e cidadã de alto nível. Esse programa utilizará o método científico como ferramenta pedagógica essencial, combinando a filosofia de vida de dois grandes brasileiros: Paulo Freire e Alberto Santos-Dumont.

Ao unir a educação como forma de alcançar a cidadania plena com a visão de que ciência se aprende e se faz “pondo a mão na massa”, sugiro a criação do Programa Educação para Toda a Vida, do qual faria parte o Programa Nacional de Educação Científica Alberto Santos -Dumont (veja abaixo). A porta de entrada se daria nos serviços de pré-natal para as mães dos futuros alunos do programa. Após o nascimento, essas crianças seriam atendidas no berçário e na creche, depois na escola de educação científica que os serviria dos 4-17 anos, para que esses brasileiros e brasileiras possam desenvolver toda a sua potencialidade intelectual e criativa nas duas próximas décadas de suas vidas.

O programa de educação científica seria implementado no turno oposto ao da escola pública regular, criando um regime de educação em tempo integral para crianças de 4-17 anos, por meio de parceria do governo federal com governos estaduais e municipais. Cada unidade da rede de universidades federais poderia ser responsável pela gestão de um núcleo do Programa Educação para Toda Vida, voltado para a população do entorno de cada campus.

O governo federal poderia ainda incentivar a participação da iniciativa privada, oferecendo estímulos fiscais e tributários para as empresas que estabelecessem unidades de educação científica infanto-juvenil, ao longo do território nacional. Por exemplo, o novo centro de pesquisas da Petrobras poderia criar uma das maiores unidades do Educação para Toda Vida.

2) Criação de centros nacionais de formação de professores de Ciência

A implementação do Programa Educação para Toda Vida geraria uma demanda inédita para professores especializados no ensino de ciência e tecnologia. Para supri-la, o governo federal poderia estabelecer o Programa Nacional de Educação Científica Alberto Santos -Dumont, que seria o responsável pela gestão dos centros nacionais de formação de professores de ciências, espalhados por todo território nacional. As universidades federais, os Institutos Federais de Tecnologia (antigos CEFETs) e uma futura cadeia de Institutos Brasileiros de Tecnologia (veja abaixo) poderiam estabelecer programas de formação de professores de ciências e tecnologia em todo o país.

Esses novos programas capacitariam uma nova geração de professores a ensinar conceitos fundamentais da ciência, através de aulas práticas em laboratórios especializados, tecnologia da informação e utilização de métodos, processos e novas ferramentas para investigação científica. Os alunos que se graduassem no programa Educação para Toda Vida teriam capacitação, antes mesmo do ingresso na universidade, para se integrar ao trabalho de laboratórios de pesquisa profissionais, tanto públicos como privados, através do Programa Nacional de Iniciação Científica e do Bolsa Ciência (veja abaixo).

3) Criação da carreira de pesquisador científico em tempo integral nas universidades federais

Seria em paralelo à tradicional carreira de docente. Ela nos permitiria recrutar uma nova geração de cientistas que se dedicaria exclusivamente à pesquisa científica, com carga horária de aulas correspondente a 10% do seu esforço total. Sem essa mudança não há como esperar que pesquisadores das universidades federais possam dar o salto científico qualitativo necessário para o desenvolvimento da ciência de ponta do país.

4) Criação de 16 Institutos Brasileiros de Tecnologia espalhados pelo país

Eles serviriam para suprir a demanda de engenheiros, tecnólogos e cientistas de alto nível e promover a inclusão social por meio do desenvolvimento da indústria brasileira do conhecimento. Atualmente o Brasil apresenta um déficit imenso desses profissionais.

Para sanar essa situação, o Brasil poderia reproduzir o modelo criado pela Índia, que, desde a década de 1950, construiu uma das melhores redes de formação de engenheiros e cientistas do mundo, constituída pela cadeia de Institutos Indianos de Tecnologia.

Para tanto, o governo federal deveria criar nos próximos oito anos uma rede de 16 Institutos Brasileiros de Tecnologia (IBT) e espalhá-los em bolsões de miséria do território nacional, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Cada IBT poderia admitir até 5.000 alunos por ano.

5) Criação de 16 Cidades da Ciência

Localizadas nas regiões com baixo índice de desenvolvimento humano, como o Vale do Ribeira, Jequitinhonha, interior do Nordeste, Amazônia, as Cidades da Ciência ficariam no entorno dos novos IBTs.

As Cidades da Ciência seriam, na prática, o componente final da nova cadeia de produção do conhecimento de ponta no Brasil. Acopladas aos novos IBTs e à rede de universidades federais, criariam o ambiente necessário para a transformação do conhecimento de ponta, gerado por cientistas brasileiros, em tecnologias e produtos de alto valor agregado que dariam sustentação à indústria brasileira do conhecimento.

Nas Cidades da Ciência seriam criadas e estabelecidas as grandes empresas do conhecimento nacional, onde o potencial científico do povo brasileiro poderia se transformar em novas fontes de riqueza a serem aplicadas na gênese de um sistema nacional autossustentável. Tal iniciativa permitiria a inserção do Brasil na era da economia do conhecimento que dominará o século XXI.

6) Criação de um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia

Esse verdadeiro cinturão de defesa, formado por um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia, seria disposto em paralelo ao chamado “Arco de Fogo”, formado em decorrência do agronegócio predatório e da indústria madeireira ilegal, responsáveis pelo desmatamento da região. Essa iniciativa visa a fincar uma linha de defesa permanente contra o avanço do desmatamento ilegal, modificando a estratégia das unidades de conservação a fim de colocá-las a serviço de um Programa Nacional de Mapeamento dos Biomas Brasileiros.

Uma série de unidades de conservação poderia ser transformada em unidades híbridas. Assim, além da conservação, poderiam incluir grandes projetos de pesquisa que possibilitem ao Brasil mapear a riqueza e a magnitude dos serviços ecológicos e climáticos encontrados nos diversos biomas nacionais.

Para incentivar a participação de populações autóctones nesse esforço, o governo federal poderia criar o programa Bolsa Ciência Cidadã. Homens, mulheres e adolescentes, que vivem na floresta amazônica e conhecem seus segredos melhor do que qualquer professor doutor, receberiam uma bolsa, similar ao bolsa família, para integrarem as equipes de pesquisadores e responsáveis pela implementação das leis ambientais na região. Esse exército de cidadãos, devotado à investigação científica e à proteção da Amazônia, mostraria ao mundo o quão determinado o Brasil está em preservar uma das maiores maravilhas biológicas do planeta.

Evidentemente tal iniciativa poderia ser replicada em outras áreas críticas, também ameaçadas pela indústria predatória, como o Pantanal, a caatinga, o cerrado, a Mata Atlântica e os Pampas.

7) Criação de oito “Cidades Marítimas” ao longo da costa brasileira

A descoberta do pré-sal demonstra claramente que uma das maiores fontes potenciais de riqueza futura da sociedade brasileira reside no vasto e diverso bioma marítimo da nossa costa.

Apesar disso, os esforços nacionais para estudo científico desse vasto ambiente são muito incipientes. Aqui também o Brasil pode inovar de forma revolucionária. Em parceria com a Petrobras, o governo federal poderia estabelecer, no limite das 350 milhas marinhas, oito plataformas voltadas para a pesquisa oceanográfica e climática, visando ao mapeamento das riquezas no mar tropical brasileiro.

Essas verdadeiras “Cidades Marítimas”, dispostas a cada mil quilômetros da costa brasileira, seriam interligadas por serviço de transporte marítimo e aéreo (helicópteros) e se valeriam de incentivos à renascente indústria naval brasileira, para o desenvolvimento, por exemplo, de veículos de exploração a grandes profundidades.

Cada “Cidade Marítima” seria autossuficiente, contando com laboratórios, equipamentos e equipe própria de pesquisadores. Tais edificações serviriam também como postos mais avançados de observação dos limites marítimos do Brasil. Com o crescente desenvolvimento da exploração do pré-sal, essa rede de “Cidades Marítimas” poderia assumir papel fundamental na defesa da nossa soberania marítima dentro das águas territoriais.

8) Retomada e Expansão do Programa Espacial Brasileiro

Embora subestimado pela sociedade e a mídia brasileiras, o fortalecimento do programa espacial brasileiro oferece outro exemplo emblemático de como o futuro do desenvolvimento científico no Brasil é questão de soberania nacional.

Dos países pertencentes ao BRIC, o Brasil é o que possui o mais tímido e subdesenvolvido programa espacial. Apesar da sua situação geográfica altamente favorável, a Base de Alcântara não tem correspondido às altas expectativas geradas com a sua construção.

Essa situação é inaceitável, uma vez que, a longo prazo, pode levar o Brasil a uma dependência irreversível no que tange a novas tecnologias e novas formas de comunicação, colocando a nossa soberania em risco. Dessa forma, urge reativar os investimentos nessa área vital, definir novas e ambiciosas metas para o programa espacial brasileiro e esclarecer o papel da sociedade civil na operação dos programas da Base de Alcântara, cujo controle deveria estar nas mãos de uma equipe civil de pesquisadores e não das forças armadas.

9) Criação de um Programa Nacional de Iniciação Científica

Com a criação do Programa Educação para Toda Vida, seria necessário implementar novas ferramentas para que os adolescentes egressos desses programas pudessem dar vazão a seus anseios de criação, invenção e inovação através da continuidade do processo de educação científica, mesmo antes do ingresso na universidade e depois dele.

Na realidade, é extremamente factível que grande número desses jovens possa começar a contribuir efetivamente para o processo de geração de conhecimento de ponta antes do ingresso na universidade.

O governo federal poderia criar um Programa Nacional de Iniciação Científica que leve ao estabelecimento de 1 milhão de Bolsas Ciência. Uma experiência preliminar desse programa já existe no CNPQ, através do recém-criado programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia. Bastaria ampliá-lo e remover certas amarras burocráticas que dificultam a sua implementação neste momento. Esse programa poderia também ser usado pelo governo federal para eliminar uma porcentagem significativa (30%) da evasão do ensino médio, decorrente da necessidade dos alunos em contribuir para a renda familiar.

Jovens de talento científico reconhecido deveriam também ter a opção de seguir carreira de inventor ou pesquisador sem necessitar de doutorado ou outro curso de pós-graduação. Tal alternativa contribuiria decisivamente para a diminuição do período de treinamento necessário para que talentos científicos pudessem participar efetivamente do desenvolvimento científico do Brasil.

10) Investimento de 4-5% do PIB em ações de ciência e tecnologia na próxima década

Tendo proposto novas ações, é fundamental que essas sejam devidamente financiadas. Para tanto e, ainda, para assegurar a ascensão da ciência brasileira aos patamares de excelência dos países líderes mundiais, o governo brasileiro teria de tomar a decisão estratégica de destinar, nas próximas décadas, algo em torno de 4-5% do PIB nacional à ciência e tecnologia.

Em vários países, como os EUA, essa conta é dividida em partes iguais entre o poder público e privado. No Brasil, todavia, não existem condições para que isso ocorra de imediato. Dessa forma, não restaria outra alternativa ao governo federal senão assumir a responsabilidade desse investimento estratégico, usando novas fontes de receita, como a gerada pela exploração do pré-sal.

11) Reorganização das agências federais de fomento à pesquisa

Reformulação de normas de procedimento e processo para agilizar a distribuição eficiente de recursos ao pesquisador e empreendedor científico, bem como criar um novo modelo de gestão e prestação de contas.

A ciência e o cientista brasileiro não podem mais ser regidos pelas mesmas normas de 30-40 anos atrás, utilizadas na prestação de contas de recursos públicos para construção de rodovias e hidrelétricas.

Urge, portanto, reformular completamente todos os protocolos de cooperação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) com outros ministérios estratégicos para execução de projetos multiministeriais.

Na lista de cooperação estratégica do MCT, incluem-se os ministérios da Educação, Saúde, Meio Ambiente, Minas e Energia, Indústria e Comércio, Agricultura, Defesa e Relações Exteriores. Normas comuns de operação dos departamentos jurídicos e dos processos de prestação de contas devem ser produzidas entre o MCT e esses ministérios, de sorte a incentivar a realização de projetos estratégicos interministerais, como o Educação para Toda Vida.

O cenário atual cria inúmeros empecilhos para ratificação de projetos estratégicos aprovados no mérito científico (o principal quesito), mas que, via de regra, passam meses e até anos prisioneiros dos desconhecidos meandros e procedimentos conflitantes com que operam os diferentes departamentos jurídicos dos diferentes ministérios.

Urge eliminar tal barreira kafkaniana e transferir o poder de decisão, atualmente nas catacumbas jurídicas dos ministérios onde volta e meia processos desaparecem, para as mãos dos gestores de ciência treinados para implementar uma visão estratégica do projeto nacional de ciência e tecnologia.

12) Criação de joint ventures para produção de insumos e materiais de consumo para prática científica dentro do Brasil

É’ fundamental investir numa redução verdadeira dos trâmites burocráticos “medievais” que ainda existem para aquisição de materiais de consumo e equipamentos de pesquisa importados. Para tanto, é importante definir políticas de incentivo ao estabelecimento de empresas nacionais dispostas a suprir o mercado nacional com insumos e equipamentos científicos.

13) Criação do Banco do Cérebro

Um dos maiores gargalos para o crescimento da área de ciência e tecnologia no Brasil é a dificuldade que cientistas e empreendedores científicos enfrentam para ter acesso ao capital necessário para desenvolver novas empresas baseadas na sua propriedade intelectual.

Na maioria das vezes, esses inventores e microempreendedores científicos ficam à mercê da ação de venture capitalists, que oferecem capital em troca de boa parte do controle acionário da empresa em que desejam investir.

Para reverter esse cenário, o governo federal poderia criar o Banco do Cérebro, uma instituição financeira destinada a implementar vários mecanismos financeiros para fomento do empreendedorismo científico nacional.

Essas ferramentas financeiras incluiriam desde programa de microcrédito científico até formas de financiamento de novas empresas nacionais voltadas para produtos de alto valor agregado, fundamentais ao desenvolvimento da ciência brasileira e da economia do conhecimento.

Para isso, o governo federal deverá exigir que esses novos empreendimentos científicos sejam localizados numa das novas Cidades da Ciência. Joint ventures entre empreendedores brasileiros e estrangeiros também deverão ser estimuladas pelo Banco do Cérebro, seguindo o mesmo critério social.

14) Ampliação e incentivo a bolsas de doutorado e pós-doutorado dentro e fora do Brasil

À primeira vista pode parecer contraditório propor metas para o desenvolvimento da Ciência Tropical e, ao mesmo tempo, reivindicar aumento significativo de bolsas de doutorado e pós-doutorado para alunos brasileiros no exterior.

Novamente, a proposta da Ciência Tropical é, antes de tudo, um nova proposta para o desenvolvimento de excelência na prática da pesquisa e educação científica. Dessa forma, ela tem de incentivar todas as formas que permitam aos melhores e mais promissores cientistas brasileiros complementarem sua formação fora do território nacional.

Como bem disse a presidente-eleita Dilma Rousseff durante a campanha: “ O Brasil precisa de seus cientistas porque eles iluminam o nosso país”.

Pois que os futuros jovens cientistas brasileiros tenham a oportunidade de se transformar em genuínos embaixadores da ciência brasileira e complementar seus estudos em universidades e institutos de pesquisa estrangeiros, líderes em suas respectivas áreas.

Esse processo de intercâmbio e “oxigenação” de idéias é essencial à prática da ciência de alto nível. Mesmo os cientistas brasileiros que optarem por ficar no exterior depois desse e treinamento poderão trazer dividendos fundamentais para o desenvolvimento da Ciência Tropical.

15) Recrutamento de pesquisadores e professores estrangeiros dispostos a se radicar no Brasil

Com a crise financeira, verdadeiros exércitos de cientistas americanos e europeus estarão procurando novas posições nos próximos anos. Cabe ao Brasil tirar vantagem dessa situação e passar a ser um importador de cérebros e não um exportador de talentos.

Historicamente, a academia brasileira tem inúmeros exemplos excepcionais de pesquisadores estrangeiros de alto nível que alavancaram grandes avanços científicos no Brasil. O Programa Brasileiro de Ciência Tropical só teria a ganhar com uma política mais abrangente, audaciosa e sistêmica de importação de talentos.

Fonte: Blog Vi o Mundo - Luiz Carlos Azenha




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